Carlos Porto critica "Com papas e bolos..."
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Vou repetir o que já aqui tenho escrito: a riqueza do teatro português não consiste apenas na criação de grandes ou pequenas máquinas teatrais de qualidade, consiste também na originalidade dos seus vários registos, na imaginação de que os seus artistas dão constantes provas. Não se pode dizer que o grupo “Realejo” tenha um projecto estético definido. Tem no entanto ideias que vai transformando em espectáculos que na maioria dos casos percorrem registos diferentes,
isto apesar das dificuldades que o grupo vem encontrado nas suas relações com o poder. Vimos lá espectáculos de café-teatro, vimos um surpreendente espectáculo de luz negra, vimos um espectáculo que nos mostrava como era franca e risonha a escola no tempo de Salazar. Fomos agora ver a mais recente criação do grupo que tem como ponto de partida histórias populares, ditados, provérbios, adivinhas e outras vulgaridades, incluindo receitas de cozinha tradicional, ou seja uma literatura margina! que participa da linguagem do povo. mesmo no que tem de estereotipado. no que nela há de frustrante, os fantasmas, as inculcações ideológicas que vão passando de geração em geração, aqui de resto desmontadas com muita graça.
Pela bibliografia transcrita no programa, é fácil verificar que este espectáculo tem como base o estudo cuidado da temática popular colhida e trabalhada por gente erudita.
O espectáculo decorre numa taberna medieval que se inscreve no próprio contexto histórico em que o grupo trabalha (a Ribeira), com os espectadores sentados a mesas onde lhes é servido o vinho; diversos elementos sinalizam não só o local como as peripécias aí evocadas, incluindo um ornamentado par de cornos; aberturas que funcionam como janelas por onde as vizinhas tricotam a má língua que se sabe, completam a cena.
Três músicos que utilizam instrumentos populares ou criados para o efeito acompanham os actores que não só representam como cantam de maneira excelente.
Essa ligação da música, da palavra, da marcação é, de resto, uma das forças do espectáculo que tem assim a característica de festa popular, que um projecto como este implica, sem deixar de levantar ao mesmo tempo a ponta do véu que permite a visão crítica, sempre risonha, do espectador. O aparecimento de elementos, aparentemente não teatrais como os animais vivos (incluindo um porco) faz parte do imaginário popular que o espectáculo levanta também, eles se integrando nesse percurso por vezes inesperado, rico, cuja dinâmica passa muito especialmente pelos trabalhos dos actores, pelo corpo dos actores, pelo relacionamento que entre eles se cria na multiplicidade das suas personagens, mas também pelo relacionamento deles com o público (embora talvez este seja insuficiente). O jogo com objectos muito simples mas cenicamente reelaborados, os figurinos também eles concebidos com imaginação — cada uma destas propostas e o conjunto delas constituem um espectáculo, como se calcula, com uma grande energia de comunicação.
O espectáculo do “Realejo” é, portanto, um daqueles que se situam à margem do teatro oficial, oficioso e mesmo off. É uma sopa de pedra cuja história reconstitui, e como ela saboroso, porque tem os condimentos necessários, e de que Victor Valente foi o principal cozinheiro (texto, encenação, música), contando com um conjunto de colaboradores, como já se escreveu, que assume a função com aquela margem de gozo sem a qual haveria esturro. Bom proveito!
Vou repetir o que já aqui tenho escrito: a riqueza do teatro português não consiste apenas na criação de grandes ou pequenas máquinas teatrais de qualidade, consiste também na originalidade dos seus vários registos, na imaginação de que os seus artistas dão constantes provas. Não se pode dizer que o grupo “Realejo” tenha um projecto estético definido. Tem no entanto ideias que vai transformando em espectáculos que na maioria dos casos percorrem registos diferentes,
isto apesar das dificuldades que o grupo vem encontrado nas suas relações com o poder. Vimos lá espectáculos de café-teatro, vimos um surpreendente espectáculo de luz negra, vimos um espectáculo que nos mostrava como era franca e risonha a escola no tempo de Salazar. Fomos agora ver a mais recente criação do grupo que tem como ponto de partida histórias populares, ditados, provérbios, adivinhas e outras vulgaridades, incluindo receitas de cozinha tradicional, ou seja uma literatura margina! que participa da linguagem do povo. mesmo no que tem de estereotipado. no que nela há de frustrante, os fantasmas, as inculcações ideológicas que vão passando de geração em geração, aqui de resto desmontadas com muita graça.
Pela bibliografia transcrita no programa, é fácil verificar que este espectáculo tem como base o estudo cuidado da temática popular colhida e trabalhada por gente erudita.
O espectáculo decorre numa taberna medieval que se inscreve no próprio contexto histórico em que o grupo trabalha (a Ribeira), com os espectadores sentados a mesas onde lhes é servido o vinho; diversos elementos sinalizam não só o local como as peripécias aí evocadas, incluindo um ornamentado par de cornos; aberturas que funcionam como janelas por onde as vizinhas tricotam a má língua que se sabe, completam a cena.
Três músicos que utilizam instrumentos populares ou criados para o efeito acompanham os actores que não só representam como cantam de maneira excelente.
Essa ligação da música, da palavra, da marcação é, de resto, uma das forças do espectáculo que tem assim a característica de festa popular, que um projecto como este implica, sem deixar de levantar ao mesmo tempo a ponta do véu que permite a visão crítica, sempre risonha, do espectador. O aparecimento de elementos, aparentemente não teatrais como os animais vivos (incluindo um porco) faz parte do imaginário popular que o espectáculo levanta também, eles se integrando nesse percurso por vezes inesperado, rico, cuja dinâmica passa muito especialmente pelos trabalhos dos actores, pelo corpo dos actores, pelo relacionamento que entre eles se cria na multiplicidade das suas personagens, mas também pelo relacionamento deles com o público (embora talvez este seja insuficiente). O jogo com objectos muito simples mas cenicamente reelaborados, os figurinos também eles concebidos com imaginação — cada uma destas propostas e o conjunto delas constituem um espectáculo, como se calcula, com uma grande energia de comunicação.
O espectáculo do “Realejo” é, portanto, um daqueles que se situam à margem do teatro oficial, oficioso e mesmo off. É uma sopa de pedra cuja história reconstitui, e como ela saboroso, porque tem os condimentos necessários, e de que Victor Valente foi o principal cozinheiro (texto, encenação, música), contando com um conjunto de colaboradores, como já se escreveu, que assume a função com aquela margem de gozo sem a qual haveria esturro. Bom proveito!
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