Viagem dum homenzinho....

.

O trabalho sobre o palhaço seduzia-nos desde há muito. Discutíamos, trabalhávamos, estudávamos este personagem tão querido de crianças e adultos. Este homem-criança que encheu o nosso pequeno/grande mundo e que hoje ainda nos recorda a nossa infância.

No entanto, sentíamos que o palhaço que conhecíamos dos "chapiteaux" coloridos do circo, se afastava daquilo que queríamos ver e sentir no nosso palhaço. Pretendíamos trabalhá-lo de um modo diferente, recreá-lo pelo seu lado interior, pelos sentimentos e emoções enquanto homem.

Assim, consagrámos o tempo à criação deste espectáculo, propondo-nos uma experiência difícil mas aliciante: começar por improvisações sobre o tema, realizadas diante do público, tomando em atenção as suas reacções, os seus risos e as suas lágrimas... também temos o direito de chorar...

Tendo como base o jogo, o divertimento, utilizando objectos colocados numa velha mala, descobrindo-os e transformando-os como fazem as crianças, este espectáculo seguiu o seu percurso até à montagem definitiva.
De mala na mão, o homenzinho faz a sua viagem... não uma viagem no sentido "geográfico" mas sim através da sensibilidade. Há sempre uma emoção escondida em cada pequena acção, em cada movimento, e que faz despertar a tristeza ou a alegria, o amor ou a solidão... É sobretudo a emoção que se trabalha. Não é, de modo nenhum, a lógica do racional que exploramos mas sim a da emoção, da afectividade; a lógica (ou a falta dela) do jogo infantil. Passa-se do real à fantasia, sem tempo ou espaço definidos.

A viagem passa também pelo quotidiano, pelo barulho da cidade, pelas panelas, pela comida que temos ou que nos falta, pelos sonhos que sonhamos ou que nos escapam e que algumas vezes se quebram como vasos de flores.

Propusemo-nos fazer uma experiência sobre o palhaço, sobre o nosso palhaço, despertando emoções verdadeiras. Quisemos tirar a máscara do quotidiano diante do público, com a simplicidade da criança e mostrar, rindo ou chorando, as frustrações ou os desejos, as contradições e os sentimentos desse mesmo quotidiano, num espectáculo que pode ser visto e sentido (talvez dum modo diferente) por crianças e adultos.

Descobrir o palhaço escondido em nós foi o que nos motivou. Este espectáculo não é senão uma experiência.

Victor Valente
no programa do espectáculo "Viagem dum homenzinho, mala na mão, cheia de sonhos e objectos", 1981

Comentários

Mensagens populares