Uma onda de fantasia e imaginação

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Subimos as escadas íngremes de um velho prédio da Rua dos Mercadores, ali mesmo junto à Ribeira, no chamado “Centro Histórico" do Porto. Lá em cima, “O Realejo” consubstancia-se num “outro” espaço, animado de vida própria (que alguns «enganos» parecem apostados em tirar-lhe...). “Abeliomonstro”: uma surpresa agradável, uma viagem leve pelo imaginário, um fugaz regresso à infância, a mitos mais ou menos pueris. Deixemo--nos ir... (por Luisa Bessa)


A história é simples e permite a quem assiste uma grande dose de liberdade: interpretações diferentes ao sabor das referências de cada um, dos olhos com que se vê o desenrolar das imagens. Em traços largos, trata-se de uma personagem banal, de vida monótona, passada entre papéis e canetas. O “homem” afinca-se, escrevendo, efectuando cálculos, carimbando com afinco: enfim, um pequeno burocrata. Mas (e há sempre um mas nestas histórias) há algo nele tentando escapar-se. Vai sendo reprimido até que... a porta se abre e os sonhos saltam à nossa frente.
Há brinquedos infantis e um cavalinho de balouço que abana a cauda, “quase” como se fosse verdadeiro. Há o Peter Pan, o Super Homem, o Tarzan, o King Kong e também os Beatles. Charlie Chaplin aparece fugazmente ao som de “Luzes da Ribalta”. Há bruxas dançando em torno do caldeirão mas há uma fada muito luminosa e uma menina de longas tranças louras. E há muitas outras coisas...
Deixando para trás a fantasia, «Abeliomonstro» é, para quem não saiba, um espectáculo em luz negra, que é como quem diz um espectáculo de teatro não convencional, vivendo do trabalho com raios ultravioletas. Este tipo de trabalho, onde O Realejo já havia dado os primeiros passos com “A porta — um salto no escuro”, apresentado aquando do último «Fantasporto», permite a criação de um ambiente propício à realização de efeitos (diríamos mágicos) que não podem deixar ninguém indiferente.
Assim acontece em “Abeliomonstro”, onde os actores presentes em palco manipulam com notável êxito dezenas de objectos: folhas que voam, tinteiros e canetas pelo ar, bichinhos cativantes, gigantescas criaturas, cabeças cortadas, passes de magia e o resto que ainda fica por contar. Ou seja, pode dizer-se que o trabalho da equipa resulta, aqui em pleno. |
Obviamente, nem tudo é perfeição, há alguns momentos mais parados para permitir a entrada e saída de objectos e actores, mas, no meio da animação, quase nem se dá pela espera. E o efeito é mais que compensador. Além disso, o resultado plástico do espectáculo é bem reforçado pela música que acompanha (com sons reconhecíveis dos Pink-Floyd e de Jean Michel Jarre, entre outros), que acaba por ser, por si só, um elemento fundamental para o êxito alcançado.
Elaborado em três partes de cerca de 20 minutos, Abeliomonstro tem dois pequenos intervalos, indispensáveis para permitir o descanso dos actores, uma vez que a permanência durante períodos longos de tempo sob luz negra é demasiado prejudicial aos olhos. Intervalos esses que podem ser aproveitados por quem vê para umas trocas de palavras ou uma ida ao bar — e é aqui que se vê como O Realejo é também um espaço com vida própria.
«Abeliomonstro» é uma criação colectiva de “O Realejo” , com direcção plástica de Clara Bento e música de José Prata. António Mário, José Topa, Clara Bento, Oscar Branco, Cristina Costa, Victor Valente e Filipe Coelho são os actores que dão vida a um belo espectáculo.
No início da peça, um dos actores falou das dificuldades do grupo, na absurda não atribuição de um subsídio “por engano” e terminou do seguinte modo:
“Se gostarem, aconselhem Abeliomonstro aos vossos amigos. Se não gostarem, aconselhem-no aos vossos inimigos...”
Quanto a nós, sem margem para dúvidas, damos o conselho aos amigos mas, ainda mais, a toda a gente: vale mesmo a pena ir ver “Abeliomonstro”.

Luísa Bessa, Jornal de Noticias, 22-12-1982

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